30 de abr. de 2012

O Sobrado

Era a terceira vez que eles saíam juntos. Professores; ela da rede pública – Geografia. Ele, pós-doutor em Matemática, professor da Federal. Tinham se conhecido num site de relacionamentos, gratuito. Já fazia tempo que não se viam. O papo não era dos mais animados e também não havia muita química entre eles, mas eram as alternativas que restavam para cada um, naquele feriado prolongado. Dia do Trabalho ou Dia do Trabalhador? - tinha sido a discussão do jantar regado a vinho da casa, mignon e talharim ao pesto. Tudo morno. Mas ela tinha decidido dar uma chance ao destino. Vai que justamente aquele sem-graça, sem sal, sem grana, sem beleza, aquele funcionário público desacostumado a emoções, se revela ser “aquele” que ela espera há tanto tempo? Que vai esquentar seus pés, dedicar-lhe amor cego, dar seu sobrenome ao seu filho, quem sabe ele não seja uma piada de mau gosto como foram os outros (aqueles que são lembrados pela família pelos apelidos – “o escroto”, “o fascistinha”, “o picareta”)?
Mas os bocejos vêm e ela bebe um pouco mais. Findo o jantar, ele a convida para conhecer seu sobrado novo. Três andares, na parte de baixo, a cozinha e a sala, no primeiro andar dois quartos, no segundo duas suítes e lá em cima um ático – ele adora ter, e falar que tem “um ático”. Nem imagina que Ático era o nome do primeiro namorado dela. Quanto tinha 13 anos, o mundo, os meninos, o futuro. Ela dá um sorrisinho, “vamos lá ver seu ático”.
Na saída, eles trocam um beijo; a caminho do sobrado, num bairro classe média, familiar, encostam os cotovelos quando ele troca as marchas no carro apertado. Ao chegar no tal sobrado, ele vira as chaves, acende a luz e fica de lado para que ela passe. No hall de entrada, um quadro com a foto de seu... companheiro? Parceiro?
Enfim. A foto dele, o dono do sobrado. Vestido de Batman.
“Mas o que é isso?”, pergunta, atônita. “É uma foto que uns alunos fizeram numa festa a fantasia, adoro essa foto”.
“Adora?”, espanta-se ainda mais. A foto é bizarra. Ele está de máscara, os cabelos ruivos saindo por debaixo dela, um sorriso franco, aberto, estúpido. As mãos na cintura – no cinto de utilidades. O uniforme nem mesmo é dos filmes mais recentes de Batman, é do tempo da série.
“Sim, eu adoro o Batman, não comentei com você?” e entra, acendendo as luzes da sala conjugada à cozinha, por onde se espalham, sobre as estantes, o aparelho de TV, o balcão e até sobre o micro-ondas dezenas, talvez uma centena, de pequenas estátuas de Batman. Batman de biscuit, Batman de gesso, Batman de borracha e até, pelo amor de deus, Batman de cristal. “Meus alunos sabem que sou fissurado em tudo de Batman e sempre me dão esses presentinhos”.
“Esses teus alunos são uns bons filhos-da-puta, isso sim, seu nerd ridículo”, ela pensa.
Caminha entre os mini-Batmans, pega um pela mão, quebra disfarçadamente um bat-apetrecho. “Acho que vou deixar o ático pra outro dia. Hoje fico só com a bat-caverna. Me chama um táxi?”
Logo, ambos desistiram dos sites de relacionamento.