7 de dez. de 2011

Encontros e desencontros #1

D.

Ela era das mais velhas da turma: enquanto a maioria entrou na faculdade com 18 anos, já tinha seus 23. Mas aparentava beirar os 40. De fato, chegou a ser confundida com uma professora, o que lhe pareceu bom porque acreditou dever-se ao estilo sóbrio de se vestir. Baixa, quadris muito largos, coxas grossas, fartas em celulite, cabelos compridos e encaracolados à moda das Panteras.  No rosto destacavam-se as olheiras profundas e lábios finos sempre bem pintados de bordô. Discreta, lamentava não ter coragem de exibir seu trunfo, a barriga chapada, sem uma dobrinha. Era a amigona.
D. acreditava em homeopatia, banho de assento, própolis, duendes, fadas, extraterrestres – quando chovia, dizia que eram os ETs que limpavam o planeta pra garantir o equilíbrio cósmico – em Deus, em Jesus Cristo, na existência do Diabo e na reencarnação. Mas só os amigos íntimos sabiam dessa sua capacidade extraordinária de crer. Em seu apartamento, enquanto houvesse alguém acordado, ouvia-se MPB ou new age. A coleção de cristais podia ser admirada, mas nunca tocada. Quando uma visita encostava, acidentalmente, num cristal, ela imediatamente o levava para a pia do banheiro e o deixava pelo menos meia hora sob a água corrente, que o limparia da energia humana. Nessa mesma pia ela teve a mais marcante experiência sexual de sua vida: uma trepada que começou no chuveiro e acabou sobre a torneira – nem notou o desconforto – com um aluno de Medicina que conheceu na cantina da faculdade.
Os dias seguintes foram de forra à condição de amiga que tinha suportado naqueles anos. Não atendeu as ligações e despachou um colega com fome, pelo interfone. Trepou em todas as posições possíveis, gritava de gozo abafando o canto celta da Enya, em looping, no som da sala. Acordava sozinha e dolorida e, em plena semana de provas, ia às aulas com o rosto assado da barba recente do amante. Às amigas, contava detalhes do sexo, das conversas, dos olhares do seu namorado.
Durou um mês. Um dia ele marcou um encontro, faltou, e no dia seguinte disse que não podia mais vê-la, que tinha “coisas” a serem resolvidas. Não era com ela, quem sabe ele voltasse um dia. Aspas gigantescas que nunca foram esclarecidas. Dois meses depois ele se formou. Por meio dos poucos amigos em comum, ficou sabendo que o ex-namorado estava numa fase de colecionar mulheres e fazer farra. D. interpretava: ele está triste e não está se apegando a ninguém. Deve estar com problemas sérios. Esperava que ele resolvesse o que poderia ser as tais “coisas” sobre as quais não se podia falar e logo voltasse pra ela. Concluiu: foi macumba.

F.
F. é um cara bem-sucedido. Desde criança – apesar de ter sido uma criança feia. Estudou nas melhores escolas católicas e cresceu estabelecendo os contatos considerados corretos em seu meio. O pai, advogado sócio de escritório renomado, a mãe, artista plástica especializada em quadros de orquídeas e marinas. F. tinha vocação pra liderança; foi escoteiro e chefe da torcida jovem do Coritiba. Todo final de ano recebia pelo menos três convites para passar as férias em apartamentos de colegas da escola na praia. Podia escolher. Era uma dessas pessoas que sempre teria opções, um privilegiado, um sócio vitalício do clube da classe média alta. Amado pela família, idolatrado pelos amigos, desejado pelas mulheres, respeitado pelos professores, pois sempre esteve na média, era uma pessoa perfeita, entre os seus. Não tinha consciência de seus valores, pois que não eram testados. Não chegava a ser preconceituoso pois não convivia com pobres, negros e evitava a proximidade com gays – não que precisasse: seu meio era limpo, asséptico, entre iguais, acreditava. Embora inteligente, nunca leu um livro que não valesse nota. Porém, adquiria para sua estante os livros de não-ficção indicados pela Veja. Quando ainda era raro, tinha em seu quarto uma TV com canais a cabo, mas gostava mesmo era das videocassetadas.
No dia em que ele conheceu D., estava extremamente entediado. Ela pediu que passasse o açúcar da sua mesa para adoçar seu chá – quem toma chá em cantina de faculdade? E ele acabou derrubando o açúcar sobre ela. “Açúcar dá sorte, ainda bem que não foi o sal”, ela disse. F. viu que seus olhos eram bonitos – e só. Adivinhou o interesse da mulher, pois todas sempre se jogavam à sua frente. Achou engraçado dar alguma atenção pra aquela moça com cara de senhora. Quem sabe ela fosse casada? Ainda não tinha passado por essa experiência. Só mocinhas afoitas do colégio marista, aquelas que sabiam seu sobrenome e a marca de seu carro. Conferiu-a de cima a baixo e pensou que ela devia usar adoçante. Mas a conversa em seguida foi agradável. O olhar esfomeado dela – entre a súplica e a oferta – era interessante. É verdade, ele ficou interessado em algo em D. que não sabia explicar. Depois, quando conheceu seu apartamento – e taí uma vantagem enorme, uma mulher que não morava com os pais e não exigia motel – deixou-se levar pelo sexo fácil, dedicado, abundante. F. estranhou seu corpo maduro e comentou “você é muito mulher”, o que a emocionou. Ela o mimava, acendia seu cigarro e trazia água gelada depois do sexo.
Então ele cansou e a dispensou. Nunca mais se viram.

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